Este blog é um instrumento pelo qual os Professores do Grupo de Formação Continuada do Centro Integrado de Ensino de I e II Graus - Rondonópolis -MT - divulgarão, via Relatório Reflexivo, o conhecimento construído a partir da leitura e discussão de textos de autores consagrados a área de educação. A coordenação desse grupo está a cargo de nossa amiga e colega de trabalho, Tânia Maria Magalhães, formada em Letras pela UFMT e especialista em Formação de Professores.
FORMAÇÃO CONTINUADA UM COMPROMISSO COM A MUDANÇA
Ensinar é muito bom. Aprender, dialogando,muito melhor! Principalmente quando esse diálogo é travado com pessoas do calibre de Paulo Freire, Antonio Nóvoa, Candau, Perrenoud entre tantos outros. Perguntamos e respondemos. Investigamos e experimentamos. Sentimos e refletimos. Construímos e desconstruímos. (Quando estaremos prontos?) Aos poucos, nesse processo dialógico, vamos nos moldando ora como professores, ora como mães ou pais, ora como filhos ou alunos, e o tempo todo como amigos. E nessa intimidade, desvendamos medos, anseios e angústias inconfessáveis. Democratizamos as boas experiências. É uma troca de saberes e de não-saberes.Entre amigos, os Encontros de Formação Continuada estreitam os laços de amizade e de profissionalismo do grupo que vislumbra mudança pela educação.
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domingo, 8 de dezembro de 2013
Ensinar o processo da aquisição da escrita: um desafio a ser enfrentado por todos os professores de/em língua materna
Ensinar o
processo da aquisição da escrita: um desafio a ser enfrentado por todos os
professores de/em língua materna[1]
2.2
A aquisição da escrita no contexto escolar
Carmagnani (1999:163 apud
Coracini) afirma que a escola brasileira, desde sua constituição jesuítica,
é pontuada por um discurso que valoriza a “re-produção”, o acúmulo (adição) e
memorização de conhecimentos alheios, restando a professores e alunos apenas o
papel de repetidores.
Desse modo, conforme Orlandi (1998:79), esse aluno
raramente tem oportunidade de entrar no “jogo” da escrita, assumindo a
função-autor de que fala Focault (Carmagnani,1999:162 apud Coracini): a organização, a coerência que impõe ao texto é
sempre a que lhe é sugerida como modelo, isto é, ele está o tempo todo ocupado
em desempenhar tarefas que são parte do discurso da escrita, mas não lhe é
possibilitada a passagem para esse discurso.
Arlete Fonseca de Oliveira[2]
arletefonsecaoliveira@gmail.com
Resumo: Adquirir a competência para usar
a leitura e a escrita, envolvendo-se nas práticas sociais diárias, é um direito do aluno, seja ele do Ensino Básico
ou dos Cursos de Graduação; seja ele membro dos grupos socioeconômicos e
culturais mais elevados ou dos grupos menos elevados. No entanto, o fracasso
escolar dos brasileiros, nesse quesito, estampa-se nos textos não só alunos do
Ensino Fundamental, mas também do Ensino Médio e até da Graduação. Assim, este
artigo tem o objetivo de fornecer alguns conceitos e posicionamentos
importantes sobre alfabetização, letramento, leitura e escrita necessários a
todos os professores que enfrentam o desafiador e muito complexo processo de
ensinar a escrita no espaço escolar. O referencial
teórico é respaldado nos estudos e pesquisas de Magda Soares, Maria do Rosário
Mortatti, Cancionilla Cardoso, Bernard Chartier, Angela Kleiman, Bakhtin, Eni
Orlandi, Ingedore Koch, Irandé Antunes, entre outros. Estes estudos mostram que, nas práticas
escolares, deve considerar-se que a aquisição da escrita não é um processo
neutro que independe do contexto sociocultural. E que, por isso, deve-se
conceber a escola no modelo ideológico letramento, que a coloca como agente
transformador do status quo, que não
pode se redimir ante o fracasso escolar do aluno como se o seu fracasso
estivesse relacionado apenas a questões de ordem individual. A escola,
determinada pelo modelo ideológico de letramento, romperá com o modelo autônomo
de letramento que só reforça e reproduz as desigualdades sociais/étnicas.
Palavras-chave: Letramento. Leitura.
Escrita.
1 INTRODUÇÃO
Como competência comunicativa, deve-se
entender, segundo Travaglia (2000), a capacidade de se empregar adequadamente a
língua nas diversas situações de comunicação, o que implica outras duas
competências: a gramatical ou linguística,
que é a capacidade que tem todo o falante de gerar sequências linguísticas
gramaticais com base nas regras da língua, e a textual, que é a de possibilitar ao falante a capacidade de
produzir e compreender textos considerados bem formados, valendo-se de
capacidades textuais básicas.
Este conceito de
competência comunicativa parece estar em conformidade com o fenômeno que, na
década de 1980, surgiu demarcando, no Brasil, uma nova necessidade no contexto
escolar: adquirir a competência para
usar a leitura e a escrita, envolvendo-se nas práticas sociais diárias. A este fenômeno deu-se o nome de Letramento que, segundo Mortatti,
está diretamente relacionado com [...] sociedades
organizadas, onde a escrita [...] “assume importância central na vida
das pessoas e em suas relações com os outros e com o mundo em que vivem”. Para
Mortatti (2004, p.98), letramento
é o resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e de
escrita. É condição que adquire um grupo social, ou um indivíduo ao
apropriar-se da escrita e de suas práticas sociais.
Assim, a partir de conceitos e discussões em torno de alfabetização,
letramento, leitura e escrita, este artigo tem o objetivo de compilar
posicionamentos de autores como Magda Soares, Maria do Rosário Mortatti,
Cancionilla Cardoso, Bernard Chartier, Angela Kleiman, Baktin, Eni Orlandi,
Ingedore Koch, Irandé Antunes, entre outros, a respeito do processo de
aquisição da escrita no espaço escolar.
A discussão é relevante tendo em vista que, no quesito leitura e escrita,
o fracasso escolar dos brasileiros tem se configurado contundentemente não só
ao longo do Ensino Fundamental, mas também no Ensino Médio e até na graduação.
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Quando se fala em leitura, é
preciso conhecer as considerações teóricas de conceituação do ato de ler, como
também, abordar o desejo, o interesse, a curiosidade que levam um leitor a
abrir um livro ou ler qualquer texto para descobrir o que está escrito em suas
linhas e entrelinhas. Afinal, a leitura é uma fonte possível de conhecimentos,
pois possibilita ao leitor a aquisição de diferentes pontos de vista, alargando
suas experiências, tornando-se, talvez, a condição ímpar para que os sujeitos
possam formar seus próprios conceitos, desenvolvendo sua criticidade e, por
consequência, sua condição de cidadão. Entende-se aqui, por experiência, segundo
Ezequiel (1996, p.32), o conhecimento adquirido pelo indivíduo nas suas
relações com o mundo, através de suas percepções e vivências específicas, o
meio imprescindível à compreensão do material escrito.
Se o ato de ler deve ser entendido
como alargamento de experiências; ou seja, conhecimento adquirido nas relações
com o outro, é possível estabelecer relação entre o ato de ler com o que
Mortatti, Magda Soares e outros chamaram de Letramento, já que “letramento está diretamente
relacionado com [...] sociedades
organizadas em torno de um sistema de escrita”. Escrita que [...]
“assume importância central na vida das pessoas e em suas relações com os
outros e com o mundo em que vivem” (MORTATTI, 2004, p.98). Evidentemente, experiências são frutos dessas
relações.
Conforme Orlandi (1988), numa
significação mais ampla, leitura pode ser entendida como ‘atribuição de
sentidos’. Pode também significar ‘concepção’ sendo que, nesse sentido, é usada
quando se diz ‘leitura de mundo’. Leitura, num sentido mais restrito e
acadêmico, pode significar a construção de aparato teórico e metodológico de
aproximação de um texto. Em sentido ainda mais restrito, pode-se vincular
leitura à alfabetização, adquirindo, então, o caráter de estrita aprendizagem
formal.
Deve-se considerar, ainda, que o
ato de ler não prescinde de se conceber as várias maneiras de se ler um texto. Para Chartier (2001), o mesmo material
escrito, encenado ou lido, não tem significado coincidente para as diferentes
pessoas que dele se apropriam. Uma só obra tem inúmeras possibilidades de
interpretação. Depende, entre
outras coisas, do suporte, da época e
da comunidade em que circula. O pesquisador adverte ainda que, na prática da
leitura, não se devem ignorar os suportes dos textos. É preciso dar à
leitura o estatuto de uma prática criadora, inventiva, produtora, e não
anulá-la no texto lido, como se o sentido desejado por seu autor devesse
inscrever-se com toda imediatez e transparência, sem resistência nem desvio, no
espírito de seus leitores. Além disso, continua
o pesquisador, os atos da leitura, que dão aos textos significações
plurais e móveis, situam-se nos encontros de maneiras de ler, coletivas ou
individuais, herdadas ou inovadoras, íntimas ou públicas e de protocolos de
leitura depositado no objeto lido, não somente pelo autor que indica a justa
compreensão do seu texto, mas também pelo impressor que compõe formas
tipográficas, seja com um objeto explícito, seja inconscientemente, em
conformidade com os hábitos do seu tempo (CHARTIER, 2001, p.78). Assim, como já afirmava Bakhtin (1973
apud. Souza, 2002:21), “a mutabilidade da linguagem consiste na
inesgotável possibilidade de atribuir novos significados aos mesmos elementos
linguísticos em contextos social e temporalmente novos”.
Portanto, fica claro que a tarefa
de compreensão no ato da leitura não se limita a um mero reconhecimento do
elemento usado, mas, pelo contrário, trata-se de compreendê-lo com relação a um
contexto específico e concreto; trata-se de entender seu significado em termos
de um enunciado específico, ou seja, trata-se de compreender o elemento em
termos de sua novidade e não apenas reconhecer sua mesmice (Bakhtin, 1973
apud. Souza, 2002:21).
Para Kleiman (2008, p.20), sob o
ponto de vista do letramento, a leitura deve extrapolar o mundo da escrita tal
qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir
formalmente os sujeitos no mundo da escrita. Por isso, segundo a autora, a
escola, a mais importante das agências de
letramento, deve se preocupar com o letramento, no plural, prática social,
não mais apenas com um tipo de prática de letramento, a alfabetização, o
processo de aquisição de códigos, processo geralmente concebido em termos de
uma competência individual necessária para o sucesso e promoção na escola.
Portanto; se, neste contexto, o
professor de/em língua materna deve considerar
que cada aluno traz consigo possiblidades de leitura de acordo com suas histórias
tanto do ponto de vista cognitivo e cultural quanto afetivo, ele também deve
levar em consideração que há diferenças nas práticas discursivas dos alunos,
devido a fatores socioeconômicos que também interferem no processo de leitura.
No entendimento de Kleiman (2008,
p. 39), as diferenças nas práticas discursivas de grupos socioeconômicos
distintos ocorrem devido às formas como eles integram a escrita no seu
cotidiano. Segundo a autora, essas diferenças têm se acentuado graças a estudos
que adotam um pressuposto que poderia ser considerado básico no modelo
ideológico, a saber, que as práticas de letramento mudam segundo o contexto.
Para ilustrar essa declaração e, ao
mesmo tempo, explicar a complexidade em torno do ato de ler, Kleiman (2008,
p.39) se reporta ao resultado de um estudo etnográfico, feito por Heath (1982/1983),
em pequenas comunidades no Sul dos Estados Unidos. Heath declara que o
modelo universal, prevalente na
escola, tem se constituído como uma
oportunidade de continuação do
desenvolvimento linguístico para crianças que foram socializadas por grupos
majoritários, altamente escolarizados, mas representa uma ruptura nas formas de
fazer sentido com base na escrita para crianças fora desses grupos, seja eles
pobres ou de classe média com baixa escolarização (HEATH,
1982/1983 apud Kleiman, 2008, p.39).
Essa conclusão
de Heath, conforme Kleiman (2008), adveio de uma pesquisa feita com dois
grupos: um majoritário (nível alto de escolarização) e outro de baixa
escolarização. Para tanto, o pesquisador concentrou seu objeto de estudo no
evento de letramento, ou seja, situações em que a escrita constitui parte
essencial para fazer sentido da situação, tanto em relação à interação entre os
participantes como em relação aos processos e estratégias interpretativas.
Heath confirmou que tanto num quanto noutro grupo há
situações de letramento, por exemplo, a prática de contar história para a
criança antes de dormir. Porém, há diferenças na forma como acontecem as
práticas do evento de letramento do “contar histórias” nos dois grupos.
Resumindo; a
diferença, segundo Kleiman (2008, p.43-44), está não no nível econômico, mas no
nível de escolarização destes grupos pelos seguintes motivos:
a)
os adultos com menos escolarização não estendem nem o conteúdo nem
as práticas dos eventos de letramentos a outros contextos, lembrando às
crianças, na presença de objetos do mundo real, de eventos ou objetos
semelhantes nos livros que conhecem. Não existem a verbalização e as retomadas
constantes que caracterizam o grupo majoritário. Atividades do cotidiano, como
cozinhar ou montar um brinquedo, não são comentadas ou descritas numa série de
passos ou procedimentos sequenciais. Desta forma, por exemplo, para ensinar a
criança a segurar a bola na forma correta, em vez de dizer “coloque o polegar
neste lugar e, depois, abra os dedos” – como o adulto das classes majoritárias
faz –, o adulto nos grupos menos escolarizados confia nos poderes de observação
da criança dizendo “faça assim, ó” (KLEIMAN, 2008, p.43).
b)
as crianças do grupo com baixa escolarização não são encorajadas a contar
histórias, pois apenas alguns membros da comunidade têm papel de contadores de
histórias; além disso, as estórias valorizadas
pela comunidade são relatos factuais com
algum fundo moral (KLEIMAN, 2008,p. 43).
c)
as crianças tanto de um quanto de outro grupo são bem sucedidas nas três
primeiras séries, sobretudo quando o trabalho escolar com o livro se centra na
leitura de partes do texto, e na resposta a perguntas sobre informações
explícitas da estória (KLEIMAN, 2008, p.43).
d)
as crianças do grupo com maior nível de escolarização são mais bem sucedidas em
trabalhos escolares que exigem opinião sobre a
história, analogias com situações do cotidiano.
Essa pesquisa
traz à escola uma explicação para aqueles casos de crianças que até a 3ª série
obtiveram sucesso, mas que, ao chegar à quarta série, começam ter dificuldades.
E a escola, porque se sustenta no Modelo Autônomo de Letramento, entende que todas
as crianças podem estender as suas práticas em eventos de letramento a outros
contextos (como fez a criança do grupo de alta escolarização) e por isso não as
ensina a fazê-lo. Segundo Street (1984, apud
Kleiman, 2008), o modelo autônomo pressupõe uma só maneira de letramento;
associa-se ao progresso – civilização – mobilidade social. A esse modelo autônomo,
Street (1984) contrapõe o modelo ideológico que pressupõe que as “práticas de
letramento, no plural, são social e culturalmente determinadas, e, como tal, os
significados específicos que a escrita assume para um grupo social dependem dos
contextos e instituições em que ela foi adquirida”. Esta concepção não
pressupõe relação causal entre letramento e progresso, ou civilização, ou
modernidade, pois, em vez de conceber um grande divisor entre grupos orais e
letrados, ele pressupõe a existência, e investiga as características de grandes
áreas de interface entre práticas orais e práticas letradas (KLEIMAN, 2008, p.21).
Disso decorre
que o processo de reprodução da classe social se reestabelece, justamente na
escola, onde estão (estariam) os agentes e os processos que poderiam mudar o
destino (Bordieu e Passeron, 1970, apud Kleiman,
2008, p.44). Como seus pais, essas crianças não chegarão à universidade,
conclui a autora.
2.2
A aquisição da escrita no contexto escolar
Carmagnani (1999:163 apud
Coracini) afirma que a escola brasileira, desde sua constituição jesuítica,
é pontuada por um discurso que valoriza a “re-produção”, o acúmulo (adição) e
memorização de conhecimentos alheios, restando a professores e alunos apenas o
papel de repetidores.
Desse modo, conforme Orlandi (1998:79), esse aluno
raramente tem oportunidade de entrar no “jogo” da escrita, assumindo a
função-autor de que fala Focault (Carmagnani,1999:162 apud Coracini): a organização, a coerência que impõe ao texto é
sempre a que lhe é sugerida como modelo, isto é, ele está o tempo todo ocupado
em desempenhar tarefas que são parte do discurso da escrita, mas não lhe é
possibilitada a passagem para esse discurso.
Essa dinâmica
do sistema escolar de ensino parece estar pautada no modelo autônomo de letramento que considera, segundo Kleiman
(2008), a aquisição da escrita como um processo neutro que, independentemente
de considerações contextuais e sociais, deve promover práticas necessárias para
desenvolver no aluno a capacidade de interpretar e escrever textos abstratos
dos gêneros expositivos e argumentativos, dos quais o protótipo seria o texto
tipo ensaio. Nesse modelo, a escola se redime do fracasso do aluno, pois este
estaria relacionado a questões de ordem individual.
No entanto,
conforme vimos anteriormente, os resultados da pesquisa de Heath (USA) e inferências
explicativas de Angela Kleiman (2008) deixam muito claro que, nas práticas
escolares, deve considerar-se que a aquisição da escrita não é um processo
neutro que independe do contexto sociocultural, como determina o modelo
autônomo. Muito menos que a capacidade do aluno em interpretar e escrever
textos abstratos possa ser desenvolvida, tendo como modelos textos do tipo
ensaio com propõe o modelo. Baseando-se
nessa concepção, a escola só reforça e reproduz as desigualdades
sociais/étnicas. Esse tipo de prática desconsidera a inteligência ou
potencialidades que o aluno pode e deve desenvolver no contexto escolar,
desconsiderando, sobretudo, o papel da escola como agente transformador do status quo.
Segundo
Kleiman (1995, p.45), uma prática escolar que visa ao domínio da escrita para a
produção de um texto expositivo abstrato, internamente consistente, pressupõe
uma separação polarizada entre oralidade e escrita, que guardam significativas
diferenças entre si, a começar “pelas diferenças que decorrem da transmutação
de uma mensagem de um meio fônico para o visual”. Enquanto a primeira se centra
na fugacidade; a segunda é centrada na permanência. Daí a segunda exigir maior
planejamento, maior potencialidade de revisão e, portanto, de exatidão no texto
bem como a exploração das diversas funções da escrita, como as funções de apoio
para a memória, de transmissão de conteúdos independentemente do espaço e do tempo.
Nesta mesma direção, Antunes (2007, p.167) afirma que
a escrita é uma atividade processual, isto é, uma atividade durativa, um
percurso que se vai fazendo pouco a pouco, ao longo de nossas leituras, de
nossas reflexões, de nosso acesso a diferentes fontes de informação. É uma
atividade que mobiliza nosso repertório de conhecimentos e, por isso mesmo, não
pode ser improvisada, não pode nascer interinamente na hora em que a gente
começa propriamente a escrever. Desta forma, estamos continuamente nos
preparando para escrever, sempre que estamos convivendo com as mais diferentes
fontes de informação, nem que não tenhamos, de imediato, alguma atividade
escrita à vista. Escrever um texto, para ele, “é uma atividade que supõe
informação, conhecimento do objeto sobre o qual se vai discorrer, além,
é claro, de outros conhecimentos de ordem textual discursiva e linguística”.
Antunes (2007, p.167) afirma ainda que o comentário, o
texto de opinião, o resumo que o aluno fará no 3º ano do Ensino Médio, por
exemplo, começou a ser preparado em suas primeiras leituras e vem se
consolidando cada vez que ele lê, que ele aprende algo novo, cada vez que é
feita a tentativa de dizer algo por escrito, não importa se a aula é de português
ou não.
Nesse sentido, Bakhtin (apud Cardoso, 2008, p.26) afirma que todo texto tem um sujeito, um
autor (que fala, escreve). Todo texto tem dois fatores que o determinam e o
tornam um enunciado: “seu projeto (a intenção) e a execução desse projeto”
(Bakhtin, 1979/1992, p. 331). Assim, Cardoso esclarece que todo texto faz parte
de uma cadeia de textos de uma dada esfera. Ele se constitui como “mônada
específica que refrata (no limite) todos os textos de uma dada esfera”
(Bakhtin, 1979/1992, p. 331). Essa
dimensão intertextual, intencionalmente ou não, está presente em cada texto/discurso.
Cada um deles entra em diálogo com outros textos/discursos anteriores, que já
falaram, exploraram o mesmo objeto. Entra em contato, ainda, com os textos em
devir, na medida em que pressente e prevê reações, resposta.
Para Kleiman
(1995, p.46), no plano referencial, isto é, dos conteúdos, o texto escrito
seria mais abstrato do que o texto oral, porque teríamos, por exemplo, o grau
de abstração determinado pelo distanciamento do interlocutor, pelo rito de
iniciação à escrita e pela progressão e o desenvolvimento temático, estes ainda
mais abstratos porque seriam de responsabilidade do autor sem o apoio da
interlocução imediata, que permite a construção conjunta do texto e, portanto,
o desenvolvimento de tópicos conjuntamente, em grande parte das comunicações
orais.
Essa
compreensão de Kleiman está evidente nas palavras de Antunes (2007, p. 171),
quando ele diz que fazer um texto é mais que dominar regras gramaticais, é uma
forma particular de atuar na sociedade e inclui conhecimento de a) elementos
linguísticos; b) elementos de textualização; c) elementos de situação em que o
texto ocorre (ou o ‘estatuto pragmático do texto’), como as finalidades
pretendidas, os interlocutores previstos, o espaço cultural e o suporte em que
o texto vai circular, o gênero em que vai ser formulado, entre outros.
Nesse mesmo sentido e considerando
leitura como meio de aquisição para a escrita e consequente envolvimento em
práticas sociais, Platão e Fiorin (1990:241) dizem que um dos aspectos mais
intrigantes da leitura de um texto é a verificação de que ele pode dizer coisas
que parece não estar dizendo e, para isto, é preciso que se reconheçam os
mecanismos linguísticos e sua importância no processo de produção de sentido,
dentre os quais, destacam as informações
explícitas e implícitas; as figuras de linguagem. Também consideram importantes nesse processo como a
linguagem se estrutura no plano de
conteúdo e no de expressão.
Outro mecanismo linguístico também
importante, para Platão e Fiorin (1990:241), é a decifração de significados por
meio dos elementos de coesão.
Dentre eles, podem-se citar os que têm
valor exemplificativo e
complementar; os que anunciam o desenvolvimento de um discurso; os que servem para introduzir mais um
argumento a favor de determinada conclusão; os que introduzem um argumento decisivo; os que introduzem esclarecimentos, retificações; os que marcam oposição entre dois enunciados;
os que estabelecem gradação e os elementos anafóricos e catafóricos. “Para que um ato de fala
alcance os objetivos visados pelo locutor, é necessário que o interlocutor seja
capaz de captar a sua intenção; caso contrário, o ato será inócuo” (KOCH, 2000,
p. 23). Além do mais, reconhecer e compreender o porquê da escolha de certas
palavras em detrimento de outras faz que o aluno perceba que isso é inerente ao
ser humano e que ele deve estar atento a essa condição para recorrer a essas
escolhas no ato da comunicação, de acordo com a necessidade do momento.
Assim, segundo
Kleiman (1995, p.45),
o ensino [da escrita] teria como objetivo iniciar –
e avançar em – um projeto que culminaria na produção de um objeto já definido
de antemão pelas suas diferenças formais com o texto oral. Como esse objeto tem
características lexicais e sintáticas que o diferencia da oralidade, o ensino
teria de estar baseado num conhecimento contrastivo das duas modalidades. Esse
objeto revelaria também marcas estruturais de um planejamento prévio que
resultasse num texto ordenado, sequenciado, amarrado num tecido que constitui
alguma forma estrutural reconhecível, do gênero narrativo, expositivo e
argumentativo.
Ainda sobre
esse contraste das duas modalidades, Cardoso (2008, p. 31), baseando-se em
Vygotsky apud Schneuwly, 1985, p.178,
explica que a oralidade
é localmente
planejada, isto é, planejada e
replanejada a cada novo “lance” do jogo linguístico. Desse modo, a linguagem
oral funciona no âmbito de um “controle exterior” (que Vygotsky chamaria de intermental) e contínuo, construído a
dois na interação face a face: “a linguagem falada é regulada pelo
desenvolvimento da situação dinâmica” (VYGOTSKY apud SCHNEUWLY, 1985, p.178).
enquanto a escrita
não é
controlada pela situação imediata e sim pela ‘representação abstrata’ de uma
determinada situação, com um objetivo geral e um destinatário fictício ou, pelo
menos, parcialmente simulado. Isso significa que o controle exterior e
contínuo, que caracteriza a oralidade, na escrita passa a ser um ‘controle
interior’ (intramental) e ‘global’.
Daí, segundo
Cardoso, pode-se inferir que, para produzir um texto escrito, uma visão global
e antecipativa do texto, no seu conjunto, faz-se necessária. Isso explica o
caráter voluntário da produção escrita, já que nesta a ação linguística,
diferentemente da ação oral que recai sobre a dinâmica da situação imediata,
decorre do esforço constante do
enunciador. “Na situação de linguagem escrita, é necessário haver uma
atitude ‘independente, voluntária, livre em relação à situação’” (Vygotsky, apud SCHNEUWLY, 1985, p.178).
Cardoso (2008,
p.137) ressalta ainda a complexidade do ato de compreender e produzir um texto,
porque o locutor/autor precisa
ativar e articular um conjunto de operações
ligadas à escolha ortográfica e lexical,
ao uso da pontuação e dos conectores,
aos tempos verbais, à organização
temática [ ...] Mais que isso, produzir um texto supõe um conjunto de operações
que vão além do âmbito estritamente linguístico, pois é necessário recuperar,
analisar, selecionar, organizar informações, estruturando-as num determinado
gênero discursivo.
Orlandi
(1998, p.90), ao se referir à leitura como um dos elementos que constituem o
processo da produção escrita, cita dois aspectos dessa relação que podem ser
operacionalizados por uma proposta escolar: o primeiro é que a leitura fornece
matéria-prima para a escrita (o que escrever); o segundo é que a leitura
contribui para a constituição dos modelos (o como escrever). A autora
esclarece, porém, que não há relação automática entre ler-se muito e
escrever-se bem.
Para
que o aluno saia da condição de leitor-enunciador para leitor-autor, o
professor deve estar ciente de que a leitura é um dos elementos que constituem
o processo de produção escrita, propiciando essa passagem de forma que o
aprendiz possa experimentar práticas que façam com que ele tenha o controle dos
mecanismos com os quais está lidando quando escreve (ORLANDI, 1996, p.79).
Sabendo-se
da complexidade do processo de leitura e aquisição da escrita, os professores
devem aprofundar estudos em teorias educacionais, para não incorrerem em erros
decorrentes de interpretações e julgamentos apressados. Para Magda Soares (2004,
p.9), um cuidado que deve ser tomado, nesse sentido, é em relação à invenção do
Letramento, pois a partir da década de 1980,
a
invenção do letramento no Brasil (...) se fez e se faz de forma independente em
relação à discussão da alfabetização (...), surge sempre enraizada no conceito
de alfabetização, o que tem levado (...) a uma inadequada e inconveniente fusão
dos dois processos, com prevalência do conceito de letramento (Soares, p. 8).
Para a autora, é preciso reinventar a
alfabetização, pois
a
progressiva perda de especificidade no processo de alfabetização (...) na
escola brasileira ao longo das últimas décadas (é, talvez, um dos fatores) mais
relevantes do atual fracasso na aprendizagem e, portanto, também no ensino da
língua escrita nas escolas brasileiras (SOARES, p.9).
Segundo Soares (2004, p.9), esse
fracasso, que se espraia ao longo de todo Ensino Fundamental, chegando mesmo ao
Ensino Médio e que se traduz em altos índices de precariedade no desempenho em
provas de leitura depois de 4-6-8 anos de escolarização, pode ser explicado
pela perda de especificidade do processo de alfabetização.
Disso, pode-se inferir que aos
professores cabe a tarefa de conhecer profundamente a teoria, antes de
aplicá-la em suas práticas pedagógicas conceitos apressadamente concebidos.
Soares faz questão de ressaltar que,
quando defende a especificidade no processo de alfabetização, não está de forma
alguma querendo dissociar o processo de alfabetização do processo de
letramento. Pelo contrário, alfabetização e letramento são processos
interdependentes. Não se pode incorrer no erro de que, agora, diante do
fracasso escolar atual, coloquemos o letramento no banco dos réus e
reinventemos a alfabetização. Essa reinvenção da alfabetização, segundo a
autora, mesmo necessária, torna-se perigosa, pois pode representar um
retrocesso nos avanços até então conseguidos (SOARES, 2004, p. 11).
De qualquer forma, essa reinvenção da
alfabetização, garante Soares (2004), faz-se necessária. Na França já se
constatou que o “conhecimento do código grafofônico e o domínio dos processos
de codificação e decodificação constituem etapas fundamentais e indispensáveis
para o acesso da língua escrita”. Nos Estados Unidos, constatou-se que a
“linguagem holística (whole linguage) nega o ensino do sistema alfabético e
ortográfico e as relações fonema-grafema de forma direta e explícita” e, no Brasil,
o debate em torno da oposição entre
métodos sintéticos e analíticos foi suplantado pela concepção construtivista na
alfabetização bastante semelhante a whole linguage nos Estados Unidos.
O
Relatório (National Instituto of Child Healt and Human Development, 2000, apud Soares) concluiu que
A
consciência fonêmica (relação fonema-grafema), fluência em leitura (oral e
silenciosa), vocabulário e compreensão são facetas consideradas essenciais no
processo de alfabetização e têm implicações altamente positivas para a
aprendizagem da língua escrita (SOARES, 2004).
Assim,
percebe-se que a concepção de aprendizagem é mais ampla e multifacetada que a
aprendizagem do código, das relações grafofônicas; ambos os documentos postulam
a necessidade de que “esta faceta recupere a importância fundamental que tem na
aprendizagem da língua escrita, sobretudo, que ela seja objeto de ensino direto,
explícito e sistemático (Soares, 2004).
3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ensinar
o aluno a escrever com clareza, coerência, correção gramatical e, acima de
tudo, a colocar-se como autor do seu próprio texto, tem sido uma tarefa
desafiadora não só para o professor de/em língua materna, que atua no ensino
básico, mas também para os professores dos cursos de licenciatura que formam futuros
professores que irão atuar no ensino básico. Vimos, a partir das leituras
feitas, que “ensinar para o letramento” é um processo que envolve uma
articulação entre o descobrir, o aprender e o usar a escrita nas práticas
sociais. Este ensino cabe à escola (via professor) articular e sistematizar.
Para tanto, o professor, agente e representante central da escola, deve estar
consciente de que a apropriação das
práticas de linguagem tem sim início no quadro familiar, com os chamados gêneros
primários – aprendizagem incidental, mas é no espaço escolar, por meio da
prática pedagógica do professor em sala de aula, que a apropriação das
práticas da linguagem escrita e da oral formal
(gêneros secundários – aprendizagem intencional) realiza-se. Portanto, é papel
da escola montar um currículo escolar com conteúdos, objetivos e estratégias de
ensino bem definidos, respeitando uma sequência lógica e temporal de
aprendizagens que vão se amarrando umas às outras e estabelecendo relações de
sentido para que o aluno se apodere destes sentidos e os utilize em suas
práticas sociais com autonomia.
A aprendizagem intencional para o ensino da
linguagem oral formal e escrita, segundo Schneuwly (2004), deve
considerar, entre os diversos componentes do currículo escolar, a
progressão, ou seja, a
organização temporal da divisão dos objetivos gerais entre os
diferentes ciclos de ensino obrigatório (progressão interciclos) como à
seriação temporal dos objetivos e dos conteúdos disciplinares em cada ciclo (progressão
intraciclo).
Há
de se considerar ainda que o problema
da progressão coloca-se igualmente no nível das sequências concretas de
ensino realizadas em sala de aula: definição
e decomposição das tarefas a serem realizadas; caminho e etapas a serem seguidas para aproximar-se de um fim; ordem dos diversos elementos do conteúdo,
etc.
Infere-se daí
que essa organização curricular pensada e construída da forma intencional, como
sugere Schneuwly, é essencial para possibilitar ao aluno o acesso à aquisição
da escrita. Neste ponto, cabe a observação de
Kleiman (2008), quando declara que a aquisição da escrita deve ser concebida
no modelo ideológico de letramento que considera a inteligência ou
potencialidades que o aluno pode e deve desenvolver no contexto escolar,
considerando, sobretudo, o papel da escola como agente transformador do status quo.
Sendo
assim, e sabendo que é difícil ensinar aquilo que ainda não lhe passou pelos
sentidos, o professor terá também de ter vivenciado, ele mesmo, essa
aprendizagem intencional de forma concreta. E se isso não lhe foi possível no
Ensino Básico (o que seria mais ajustado) terá de lhe ser propiciado nas
graduações não só de Pedagogia e Letras, mas também nas demais disciplinas que
formam professores em língua portuguesa. Seria uma tentativa de romper com esse
círculo vicioso do “eu não posso ensinar o que não aprendi”.
E,
assim, se cabe à instituição-escola elaborar um currículo numa sequência lógica
de conteúdos e progressão temporal de acordo com o nível escolar do aluno, cabe
também aos professores, eles mesmos, numa ação individual e/ou conjunta, participarem
como sujeitos-objetos-objetos-sujeitos desse processo de ensino-aprendizagem
desde suas raízes para lançar mão dos componentes e elementos necessários que
devem ser acionados para o alcance dos objetivos da sua disciplina.
Isso
sem que cada um deixe de considerar na mente e na prática pedagógica as
práticas ideológicas de letramento, que, situadas em contextos sociais e
culturais específicos, são políticas que propiciam mudanças na vida dos
indivíduos, pois permitem que eles entendam e (des)construam ideologias
(Street, 1984, apud KLEIMAN, 2008, p,39).
Nesse
ponto, quando se fala em (des) construção de ideologias, deve-se pensar no
âmbito da escrita, já que “os correlatos cognitivos da aquisição da escrita na
escola devem ser entendidos em relação às estruturas culturais e de poder que o
contexto de aquisição da escrita na escola representa (KLEIMAN, 2008, p. 39).
Evidentemente, ainda segundo Kleiman, o alargamento do campo de investigação,
proporcionado pelo modelo ideológico de letramento, não é fundado somente “no
divisor oralidade e escrita, e as consequências cognitivas extrapolam a mera
correlação com a escrita”. No entanto, é sempre bom lembrar que, segundo
Mortatti ( 2004, p, 98), quando se fala em letramento, deve-se relacioná-lo diretamente com sociedades organizadas em torno de um sistema
de escrita”. Afinal, a escrita [...] “assume importância central
na vida das pessoas e em suas relações com os outros e com o mundo em que
vivem” (MORTATTI, 2008).
Portanto,
dessa afirmação, deduz-se que os
professores, sejam eles de língua materna ou em língua materna, devem atuar em
sala de aula no sentido de preparar o aluno para o mundo da escrita, sem nunca
se esquivar do compromisso de, como representante da escola, ser um fornecedor
de ferramentas que contribuam para o acesso do aluno ao mundo da escrita.
Nesse sentido, afirma Kleiman (1996, p.
40), é tarefa de todos os professores, de todas as disciplinas, assumir um
papel “não de mediador entre autor e leitor, mas o de fornecedor de condições
para que se estabeleça a interação” entre aluno-texto.
Porém,
ser esse fornecedor de condições para que se estabeleça a interação entre
aluno-texto, fazendo que o aluno experimente práticas e aprenda a controlar
mecanismos da escrita, tem sido, talvez, uma das maiores dificuldades do professor
em sala de aula. Por isso, a instrumentalização do professor faz-se
extremamente necessária, pois dela o aluno dependerá sua passagem de
leitor-enunciador para leitor-autor – condição necessária para se apropriar com
consciência da competência comunicativa nas práticas sociais para exercer sua cidadania.
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Irandé. Avaliação
da produção textual no ensino médio.
In: Português no Ensino Médio
e Formação do Professor. Orgs. Clécio Bunzem e Márcia Mendonça. São Paulo, Parábola Editorial, 2007. (p.163)
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2. ed., São Paulo, Martins
Fontes, 1997.
CHARTIER, Roger. Do Livro à leitura. In: Práticas da Leitura. 2.
Ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. (pág. 77-107)
CARDOSO, Cancionilla Janzkowski. O que
as crianças sabem sobre a escrita? Cuiabá, EdUFMT, 2008.
KLEIMAN, Angela B. Os significados
do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita.
Campinas, SP: Mercado das Letras, 1995. Coleção Letramento, Educação e
Sociedade (10ª reimpressão -2008).
KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura. 2.ed.
Campinas-SP: Pontes,1996.
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Villaça. O texto e a construção dos sentidos. 7ª ed. São Paulo: Contexto, 2003.
___________________________. A
inter-ação pela linguagem.
São Paulo: Contexto, 2000.
MORTATTI,
Maria do Rosário Longo. Educação e
Letramento. São Paulo: UNESP, 2004. Capítulo 5 (p.98-116).
ORLANDI, Eni Pulcineli. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 1998.
PLATÃO, F.S e FIORIN, J.L. Para entender o texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 1995.
SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão
em expressão oral e escrita - Elementos para reflexões sobre uma experiência
suíça (francófona), In. / tradução e organização ROJO, R.; SILVA, Ezequiel Theodoro. O ato
de ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia de leitura. 7.ed.,
São Paulo, Cortez, 1996.
SOARES, Magda. Letramento e
escolarização. In: Letramento no Brasil. Org. Vera
Masagão. São Paulo: Global, 2003.
SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira
de Educação, 2004. http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a01.pdf/.
Acesso em 20 de agosto de 2013.
SOUZA, L.M.T.N. O conflito de vozes na sala de aula. In:
CORACINI, M.J. R.F. (org.). O jogo discursivo na aula de leitura: língua
materna e língua estrangeira. 2.ed. Campinas, Pontes, 2002.
TRAVAGLIA, Luís Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º
e no 2º graus. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
[1] Avaliação final
apresentada à Professora-doutora Cancionila Janskovski Cardoso, como exigência
para conclusão da Disciplina “Alfabetização, Leitura e Escrita” do Programa de Pós-Graduação em Educação–
Mestrado/PPGEdu/UFMT – campus de
Rondonópolis.
[2] Aluna especial
da disciplina “Alfabetização, Leitura e Escrita”
do Programa de Pós-Graduação em Educação– Mestrado/PPGEdu/UFMT – campus de Rondonópolis.
domingo, 8 de setembro de 2013
FICHAMENTO - FRAGO, Antônio Vinão. Do analfabetismo à alfabetização: análise de uma mudança antropológica e historiográfica. In: Alfabetização na sociedade e na história: vozes, palavras e textos. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e outros. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993, p.29-58.
FEDERAL DE MATO GROSSO
CAMPUS UNIVERSITÁRIO
DE RONDONÓPOLIS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
EDUCAÇÃO
Disciplina: Alfabetização, leitura e escrita
Professora: Cancionila
“Kátia” Janzkovski Cardoso
Aluna: Arlete
Fonseca de Oliveira
Assunto: Fichamento
de Leitura
Data: 22/08/2013
FRAGO,
Antônio Vinão. Do analfabetismo à alfabetização: análise de uma mudança
antropológica e historiográfica. In:
Alfabetização na sociedade e na história: vozes, palavras e textos. Trad.
Tomaz Tadeu da Silva e outros. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993, p.29-58.
1. Analfabetismo e alfabetização como
objetos de análise
“O
traço socioeducativo cultural mais significativo da Espanha contemporânea é o
analfabetismo.” (p.29)
Isto
porque
“A
análise tradicional deste fenômeno na Espanha […] constitui uma descrição mais
ou menos boa da distribuição e evolução do analfabetismo por sexo, idade,
província, etc., acompanhada de uma
tentativa de determinar suas causas (econômicas, étnicas, geográficas,
demográfico-urbanísticas, etc.) e conclui com uma concordância básica: a
atribuição do analfabetismo à escolarização e assistência escolar deficientes.
Só consideram possível um modo de alfabetização: aquele desenvolvido através do
sistema escolar formal tal qual hoje o conhecemos.” (p.30)
A
partir da década de 1960, as investigações apontaram um novo olhar para o
processo de alfabetização que teve como objeto não mais o analfabetismo, mas
sim a alfabetização em si mesma, centralizando seus agentes e modos de atuação.
“Em
suma, partiu-se de uma observação simples, mas crucial: o analfabetismo é
consequência da ausência de um processo de alfabetização. O que deve ser
estudado, portanto, são as causas, agentes e modos de realização deste último.”
(p.30)
Nesta
perspectiva, superaram-se as limitações metodológicas do método tradicional, e
a história dos processos de comunicação oral e da difusão da leitura e escrita
enriqueceram os estudos do processo da alfabetização, permitindo explicar nos
países de terceiro mundo “boa parte dos fracassos das campanhas de
alfabetização promovidas nos últimos trinta anos” (p.30)
Assim,
ao final da década de 1960, autores diversos buscaram explicações para as
diferenças no processo de alfabetização entre países protestantes e católicos e
também entre comunidades de um mesmo país. E assinalaram
“as
consequências que no processo de alfabetização teve a contraposição entre uma
religião do livro ou proselitismo (entre outros procedimentos), através da
difusão da leitura pessoal e/ou familiar da Bíblia, escritos dos líderes da
reforma ou textos resumidos de ambos (em qualquer caso da língua vernácula); e
outra religião na qual se colocava a ênfase em outras formas de proselitismo,
através da imagem (o barroco como expressão artística da contrarreforma), do
oral (confissão e púlpito), dos ritos, símbolos e liturgia”. (p.31)
O
processo de alfabetização, um fenômeno complexo e inter-relacionado com uma
diversidade de causas e efeitos, segundo país, região e momento histórico,
abriu espaço para um novo campo de análise e investigação que requereu
formulações, métodos e técnicas novos. Agora, na investigação da alfabetização
como processo, era relevante
“a
identificação dos interesses e bases ideológicas que o motivavam e o
legitimavam [o processo de alfabetização], dos agentes que o impulsionavam ou o
freiavam (sic), de seus modos e
procedimentos, e a análise de uma difusão temporal, espacial e social”. (p.31)
A mudança
de objeto, métodos e enfoque direcionou o olhar dos pesquisadores para novas
questões em busca de novas respostas. Para tanto, passou-se a considerar:
1. as relações entre alfabetização,
industrialização e urbanização:
“Ao destacar o fato de que a Suécia e Alemanha, países com menores
índices de industrialização e urbanização que Inglaterra, apresentam, todavia,
taxas mais elevadas de alfabetização, rompia-se a relação linear e direta que
unia este último processo aos anteriores, seja a partir das análise da teoria
da 'modernização', seja a partir das análises que enfatizavam exclusivamente os
fatores econômico-produtivos”. (p.32)
2. a interpretação baseada
na contraposição protestantismo-catolicismo:
“[...] é certo sim que esta explicação contribuiu para fazer valer
a influência indubitável (maior ou menor, mas indubitável) de fatores
ideológico-culturais tais como o proselitismo religioso e/ou político. Como não
levar em conta o fator proselitista, entre outros, no processo de alfabetização
massiva na Rússia dos anos 50 […] a importância da alfabetização como
instrumento missional-proselitista de protestantes e católicos nas culturas
indígenas orais, mediante transcrição, mais ou menos forçada, de seus sons ou vozes par o alfabeto latino
[…]?” (p.32)
3. a existência de dois
fenômenos com evolução distintas: o da difusão da leitura e o da difusão da
escrita
“Como tem afirmado Furet e Ozouf, [. . .] na alfabetização
restringida [. . .] a escrita é uma arte de copista, um desenho, e a leitura um
canto. A cópia e a repetição manifestam a dependência da tradição oral, com o
objetivo de fixá-la. Ao difundir-se a
alfabetização e o texto escrito, por intermédio da imprensa, mudam
as relações com o mesmo: a função de
mediador desaparece e as condições de
comunicação, de coletivas, passam a ser individuais. A escrita usa o “eu”, a
criação e não o “ele”, a repetição, e a leitura descobre o conteúdo, não a memorização. O pluralismo da leitura
significa sua individualização. Com isso
abre-se um processo lento de incorporação à cultura escrita, que dura pelo menos três séculos (do XVI ao XIX),
com ritmos diferentes segundo a classe, região ou sexo. (p.34)
“A diferença leitura/escrita […] evidencia a gradualidade desta
evolução. Inicialmente, a leitura não se distingue da memorização: é a
mnemotecnia de um desenho, mais que o deciframento de um texto. Não modifica as
relações indivíduo-cultura, mas as confirma. […]. Não implica autonomia
individual. Escrever, todavia, significa poder-se comunicar em segredo,
indivíduo a indivíduo […]. Ler é uma atividade passiva (receber a mensagem).
Daí a difusão da leitura, mas não da cultura escrita, num sistema de
alfabetização restringida e estamental, especialmente entre mulheres.” (p.34)
“Aqueles que não sabem ler recebem a mensagem da boca de outros
(na família ou na igreja) ou a memorizam cantando-a. Aqueles que sabem ler
conquistam, potencialmente, o acesso a qualquer texto escrito, ainda que de
fato somente lessem textos religiosos especificamente redigidos ou editados
para sua aprendizagem e memorização [...]. A modernização é a escrita. […]. A
escrita supõe a possibilidade de comunicar-se fora do grupo [...].” (p.34)
“A cultura oral é pública e coletiva e a escrita, secreta e
pessoal. O escrito une o indivíduo com um conjunto humano mais amplo que sua
comunidade, com a qual compartilha a tradição oral. […] Com a escrita, tem-se
acesso ao contato livre […] entre indivíduos livres e iguais […] é possível o
Estado assentado na lei escrita, geral, dirigida a indivíduos […] que liberados
do grupo, relacionam-se diretamente com ele. […]. O papel desempenhado pelo
rito coletivo nas sociedades baseadas na tradição oral é assumido agora pela
escrita que preside (juntamente com o rito da assinatura) os atos fundamentais
da vida (matrimônio, contratos, etc.).” (35)
Desta
forma, afirma Frago, a tradição, o grupo e costume perdem seus papéis. “As duas
vítimas desse processo são o velho e o padre. O primeiro perde a utilidade de
sua memória; o segundo, o segredo de seu prestígio e o núcleo de seu poder como
elo entre o escrito e o oral.” (35). As relações sociais do passado são
arrancadas, apagadas; outras novas são criadas. Assim, “a história da
alfabetização, da passagem de uma alfabetização restringida para outra
generalizada, é a história de uma mutação antropológica.” (p.35)
“A
análise histórica da evolução da capacidade de leitura tem pressuposto [...] a
confluência entre os historiadores da alfabetização e os da leitura, mais
especificamente com os historiadores do livro (num sentido amplo, que se
identifica com a letra impressa) e de sua difusão.” (35)
“(...)
Aqui cabem duas variáveis. Uma, a leitura coletiva (alguém que lê para outros
que não sabem ou não podem ler), prática difundida, por exemplo, no
proselitismo religioso (...), em determinadas sociedades ou associações
operárias do século XIX, ou (...) em nossas Missões Pedagógicas. (...) Outra de
caráter restritivo e mais efetivo que a anterior interessa-se não pelos
leitores potenciais máximos, mas (...) pelos que têm a possibilidade de adquirir
e/ou ler livros (dispõem de meios econômicos ou de uma biblioteca pública ou
privada para consultar) e (...) e pelos leitores reais aqueles que chegam a
adquirir a prática da leitura, assim como pelo que se lê (tipo de leituras mais
difundidas por área, sexo, idade, classe social, etc.) e a difusão real do
impresso (comercialização, número de exemplares, tipo de edição, editoras,
gráficas, etc.).”. (35)
“Desta
linha de investigação, na qual confluem os historiados do processo de
alfabetização e da literatura (...) há exemplos [...] referentes ao nosso país
[Espanha). [...] Em relação à França, por exemplo, são modelares as
investigações de H.J. Martin, Furet e seus colaboradores. (...) Há também uma
boa síntese de F. López sobre leitores potenciais e reais no século XVIII e
sobre o estado atual das fontes e da pesquisas. Sobre o século XIX [...] J.F.
Botrel [...] estabelece uma clara distinção entre leitores potenciais e
reais,(...). (p.36)
4. a autonomia da história
da alfabetização, nos últimos anos, em relação à história da escola
A história da
alfabetização
“tem desenvolvido suas próprias fontes de
investigação e tem feito aflorar uma série de questões sobre sua natureza,
características e evolução social, temporal e espacial. Com isso, rompeu-se com
a imagem linear […] de uma tendência unidirecional e regular em direção à
alfabetização, que identificava esta última, simplesmente, com a modernização e
o progresso”. (p.36)
A partir da busca de
novas fontes, métodos e técnicas de investigação, foi configurada uma mutação
historiográfica que possibilitou a análise do processo de alfabetização em
períodos entre a segunda metade do século XIX e XX, já que havia censos de
população e/ou estatísticas educativas estatais registrados na quase totalidade
dos países europeus. Confrontaram-se pesquisas e debateram sobre sua validade e
confiabilidade para a análise e medição do analfabetismo ou alfabetização. Isto
permitiu
“elaborar uma
série de conclusões ou generalizações sobre a história da alfabetização, mais
ou menos provisórias e circunscritas a um espaço, sociedade e tempo dados”.
(37)
Dentre as quais, destacam-se
“as relativas à sua ambivalência funcional,
graduação e correspondência com a divisão social do trabalho ou estrutura sócio
ocupacional, e sua evolução e difusão errática e irregular”. (p.37)
a) Alfabetização, educação e
escolarização: para quê? o que ocorreria se todo mundo fosse alfabetizado?
Sobre a pergunta “Alfabetização e escola, para quê?”, o
autor aponta duas respostas. A primeira delas
“tem relação com
a análise histórica – ou produto dela – dos objetivos ideológico-proselitistas
que se tem perseguido e se perseguem com a alfabetização e a escola. Assim, uns
defendem e outros as atacam enquanto instrumentos de controle social, doutrinação,
moralização e disciplina de seus destinatários”. (p.38)
“Em toda esta
questão dois aspectos nos parecem certos. Primeiro, ainda que a alfabetização e
a escola sejam instrumentos de controle, moralização e disciplina, abrem opções
e criam possibilidades que não existem em uma sociedade ou indivíduos
analfabetos. Segundo, o uso da leitura e da escrita (ou do cálculo) não se
tornam funcionais se não se convertem ao menos em algo esporadicamente
necessário, e tanto o passar do tempo quanto uma realidade ou contexto
negativos implicam o desuso e a perda (material e de sentido) de ambas as
habilidades. Tanto uma como outra se reforçam se, com o seu uso, o indivíduo
obtém satisfações ou satisfaz necessidades, e, vice-versa, ambas se debilitam
quando em seu uso não se veem vantagens materiais ou intelectuais, sociais ou
individuais”. (38)
E a segunda tem relação
“com a
funcionalidade ou disfuncionalidade da alfabetização e da escola (...) [que]
implica e estabelece-se sempre em relação com objetivos determinados. As
respostas diferem segundo os fins individuais e sociais que se persigam e os
que se estime que realmente ambos os processos produzem. Esta é, em suma, uma
questão primordialmente sujeita a juízos de valor sobre os objetivos
pretendidos e reais da alfabetização e da escola”. (p.39)
“Nesse sentido,
a funcionalidade ou disfuncionalidade da leitura e escrita é algo
subjetivamente sentido por cada indivíduo ou grupo social concreto e sua
evidência é, correlativamente, o uso ou desuso que se faz de alguma ou de ambas
as habilidades. Outra coisa é o juízo que pode ser feito, por causa de um, em
relação à sensação ou à consciência subjetiva e uso ou desuso.” (p.39)
“(...)
Funcionalidade externa supõe que o impulso ou pressão para a alfabetização e/ou
escolarização origina-se no exterior dos indivíduos ou grupos envolvidos. […] A
funcionalidade interna tem lugar quando a alfabetização e/ou escola respondem a
uma necessidade autogerada e sentido como própria por seus usuários.
Certamente, esta distinção nos conduz a outra não menos problemática: a que se
realiza entre necessidades naturais e artificiais, já que nunca uma necessidade
é totalmente autônoma em relação a fatores externos”. (p.39)
“O processo,
assim, pode ser impulsionado tanto pelos benefícios econômicos, que produz,
quanto pelo prestígio social que se lhe atribui ou a possibilidade de ter
acesso, difundir e estar informado sobre uma ideologia determinada (religiosa,
como no caso protestante – leitura familiar e paroquial de livros religiosos –,
ou política, como no movimento operário – associações e sindicatos que criam
seus próprios centros culturais).” (p.40)
“A análise da
funcionalidade ou disfuncionalidade da alfabetização revela, além disso, a
distinção entre uma alfabetização escolar, na qual a prática da leitura e
escrita converte-se usualmente um fim em si mesma, e oura alfabetização, na
qual o uso de ambas só tem sentido por sua utilidade ou necessidade direta.”
(p.40)
“Os dois tipos
de funcionalidade (externa/interna e escolar/não escolar) estavam e estão
relacionados, por sua vez, coma a questão técnica e metodológica. Por detrás de
cada método de alfabetização e dos conteúdos ministrados há sempre uma
teoria-ideologia (e por detrás desta uma organização, acrescentaríamos, que lhe
dá força), como tem assinalado Lê Thaành Khôi ao comparar o método da
‘conscientização’ de P. Freire com o da ‘alfabetização funcional’ promovida
pelo Unesco.” (p.40)
E
acrescenta:
O método
comumente utilizado no Ocidente é o conhecido como ‘sintático’. O aprendizado
da leitura é um exercício visual e auditivo […] O da escrita, por sua vez,
constitui um exercício visual e manual. […] A primeira disciplina a memória; a
segunda, a mão. A primeira prepara passivamente para a recepção da mensagem; a
segunda, mediante a caligrafia, para o desenho e o adorno, antes que para a
criação e transmissão. [...] (p.40)
“A difusão da
escrita para um público mais amplo, durante o século XIX, só será possível com
a anterior democratização/simplificação gráfica e ortográfica do signo e a
preparação para seu uso funcional (petições, cartas, documentos, contratos,
etc.), e sua aprendizagem simultânea e combinada (não independente ou separada
no tempo) com a da leitura, inovação introduzida, a princípios do século XIX, pelo
movimento do ensino mútuo.”(41)
Deste
modo,
“A história da
alfabetização desvela para cada momento e lugar, sua graduação e
correspondência com a estrutura sócio ocupacional. Mostra sua distribuição
desigual entre os diferentes estamentos, classes, categorias ou grupos sociais.
[…]. Sua evolução não é, em todo caso, linear. Uns grupos avançam outros
estacam ou retrocedem comparativamente, mas a generalização do processo sempre
ocorre, em suas linhas gerais, das
camadas sociais superiores para as inferiores.” (p.41)
“A alfabetização
é, em geral, um processo cumulativo, mas não linear e nem regular”. Apresenta
retrocessos e estancamentos que afetam grupos ou áreas de um modo e em um tempo
diferentes. É um processo irregular e errático. Ademais sua distribuição
geográfica é irregular […] e dispersa. Tal irregularidade e dispersão é consequência de fatores muito diversos e,
às vezes, contrapostos que condicional tal processo.” (44).
Uma análise
geográfica do mesmo oferece exemplos da confluência, proeminência ou
contraposição entre fatores econômicos (riqueza, estrutura da propriedade,
estrutura ocupacional), ideológicos (ativismo, proselitismo), educativos (rede
escolar, escolarização) e políticos ( estruturas de dominação, grau de coesão
local)”. (p.44)
“O processo de
alfabetização não só apresenta uma dispersão geográfica irregular, mas também
temporalmente errática. Esta não linearidade permite a configuração de
diferentes períodos ou fases em cada área geográfica, e/ou grupo social (tempo,
espaço e estrutura social são as três variáveis a confrontar neste caso). O
processo poderá ser cumulativo (ao longo de um ou mais séculos), mas sua
desagregação oferece fases mais curtas de retrocesso ou estancamento em
determinadas áreas ou grupos sociais.” (p.44)
2 Modelos ou tipologia da alfabetização (análise histórico-comparativa)
Modelos históricos de alfabetização:
causas, agentes e modos
Frigo,
neste tópico, descreve os modelos históricos da alfabetização de alguns países
Ocidentais. Deixa claro que “a história da alfabetização (…) só adquire sentido
a partir de uma pesquisa comparada” e que “esta perspectiva requer (...) a
acumulação prévia de investigações geográficas e temporalmente localizadas,
sobre fontes similares e com métodos e enfoques não muito diferentes”. (p.45).
Opta pela análise-espacial, pois esta “permite captar as linhas gerais e
peculiares de cada modelo nacional, sacrificando sua diversidade interna
(...)”. (p.45). Enfatiza ele que sua intenção “não é, pois, descrever traços de
vigência necessária em todo um âmbito territorial nacional/estatal, mas apenas
generalizações que admitem exceções e modelações” (p.45). São eles:
Modelo
protestante-nórdico ou sueco com ênfase na difusão
da leitura e a conjunção de interesses, organização e esforços entre a igreja
luterana e o estado.
“A
aquisição da leitura […] foi o resultado da imposição de exames paroquiais
anuais, cuja superação era necessária para receber a comunhão ou contrair
matrimônio (…) e da extensão do hábito da leitura em família e do ensino dos
filhos pelos pais”. (p.46)
“Este
ensino familiar, junto com a posterior e paulatina criação de toda uma rede de
escolas paroquiais e o desenvolvimento de autênticas campanhas de
alfabetização, fizeram da Suécia um claro e peculiar exemplo de sociedade
alfabetizada já na segunda metade do século XIX (…) em um contexto
pré-industrial, pouco urbanizado e sem recorrer a um sistema de escolarização
formal tal como é hoje”. (p.47)
Modelo prussiano-alemão deu-se pela “confluência de
pressões de origem religiosa e burocrático-estatal, em um contexto menos
industrializado e urbanizado, e a ênfase posta na difusão da leitura”. (p.47)
Dois
fatores contribuíram para que o modelo da Prússia alcançasse, em meados do
século XIX, uma taxa de alfabetização mais elevada que a da Inglaterra e França
nessa mesma época:
“um
deles, similar ao sueco, foi a pressão político-religiosa da reforma
protestante e a aliança entre os poderes públicos (estatais e municipais) e os
eclesiásticos, para criar todo um sistema escolar público, de base local. Outro
bastante peculiar foi a pressão bélico-nacionalista e as exigências derivadas
da constituição de um exercito moderno no século XVIII.” (p.47)
Modelo inglês
Vários estudos admitem que a Reforma deixou marcas favoráveis na
difusão da educação elementar na
Inglaterra do século XVI. Houve uma fase de estancamento nessa difusão na
primeira metade do século XVII. Mas, com a revolução, na segunda metade desse
século, um novo ritmo de alfabetização é retomado e segue até a primeira metade
do século XVIII. Porém, nas últimas décadas do século XVIII e primeiras do
século XIX, novamente ocorre estancamento e, inclusive, retrocessos decorrente
“[...] fundamentalmente, de um vigoroso processo de industrialização
que precisava somente de força de trabalho física não qualificada [...] e que
utilizava massivamente mulheres e crianças em horários prolongados e jornadas
estafantes.” (50)
“[de] um rápido crescimento, espacial e humano, das cidades
industriais, sem um correlativo incremento da rede escolar.” (50)
e
“[de] um enfraquecimento das estruturas e relações familiares que
favoreciam a aprendizagem da leitura no lar”. (50)
A partir de 1840, a difusão da alfabetização ganha novo vigor com a
confluência de outra fase de industrialização. Isto ocorre porque
“[esta outra fase de] industrialização que requeria mão de obra
qualificada, com o desenvolvimento comercial, revalorizou a alfabetização e a
escola como instrumentos de disciplina e ordem.” (51)
“a extensão do direito ao voto, na segunda metade do século XIX, fez
com que muitos pusessem os olhos na escola a fim de ‘moralizar’ a classe
operária, preparando-a para um ‘correto’ exercício deste direito.” (51)
“Tudo isso tornou possível a rápida generalização da alfabetização (5%
de analfabetos em 1900 frente a 30% por volta de 1850) e o desenvolvimento de
um sistema público de educação de base local.” (51)
Modelo escocês
A Escócia sempre esteve adiante da Inglaterra em alfabetização e
desenvolvimento de um sistema público de educação elementar. Frigo afirma que
“A aliança entre a igreja presbiteriana e os poderes públicos guarda
alguma semelhança com o modelo prussiano. Como assinalou L.Stone, talvez tenha
sido na Escócia presbiteriana onde o ‘zelo puritano’ pela difusão da leitura da
Bíblia encontrou sua mais completa expressão. Já em 1560, a igreja
presbiteriana propugnava um sistema de educação nacional. [...]. Na opinião de
L. Stone, o sistema educativo escocês foi consequência do ‘extraordinário
desenvolvimento politico e religioso da Escócia nos séculos XVI e XVII [...]”.
(51).
As estimativas de alfabetização masculina na Escócia, por volta de 1675
e 1800 eram de 33% e 90% respectivamente, superando a Inglaterra e Gales 65% em
princípios do século XIX.
“O modelo escocês apresenta, pois, [...] certas similaridades com o
alemão (confluência estatal-eclesiástica, motivações religiosas e
proselitistas, difusão da leitura bíblica) e diferenças (ausência de pressão
bélico-expansionista)”. (p.51)
[...]
Modelo francês
O modelo francês
“é um bom exemplo de alfabetização lenta, dilatada no tempo e
geograficamente desiquilibrada entre uma França, ao nordeste, alfabetizada e,
outra, ao sul-sudeste e maciço central, com fortes taxas de analfabetismo”.
(p.51)
Segundo o autor, em comparação com países vizinhos do Norte e
Leste, este modelo recebeu menos
influência da Reforma. Porém, isto foi compensado parcialmente por um ensino do
catolicismo contra reformista.
“Assim, desde o século XVII, surge uma ampla rede de escolas paroquiais
ou a cargo de órgão e congregações religiosas, com motivações proselitistas,
mas em resposta, ademais, a uma demanda ou necessidade social de educação
elementar não religiosa. Os avanços mais intensos e extensos teriam lugar,
todavia, na segunda metade do século XIX (os 40-45% de analfabetismo por volta
de 1850 reduzem-se a cerca de 10% em 1900)”. (p.53)
“Um freio importante para a alfabetização foi a contraposição entre uma
escola em francês e esses quase sete
milhões e meio de habitantes [...] que falavam outro idioma. Os ritmos e
evolução da alfabetização foram [...] independentes dos grandes acontecimentos
políticos, incluída a Revolução.” (p.53)
O que deve ser levado em conta nesse sentido são
“os fatores socioeconômicos e sócio-políticos [...]
a demanda social de alfabetização (por razões econômicas ou de prestígio
social), a formação de um mercado nacional, a extensão de uma administração
estatal centralizada, com seus serviços públicos e agentes territoriais, e a
implantação de uma legislação geral e uniforme de cunho liberal-individualista
(tabelião, juiz, professor; contrato, lei, escola).” (p.53)
Outros modelos (Rússia, Cuba, Nicarágua)
Nesses países, os modelos de alfabetização mais recente oferecem ritmos
mais acelerados e ações específicas e intensivas durante espaços de tempo mais
curtos em relação à França e à Espanha.
“Trata-se, antes, de campanhas ‘ad hoc’, de iniciativa pública estatal,
nas quais confluem motivações ideológicas, proselitistas, econômico-produtivas
e nacionalistas.” (p.53)
O
modelo espanhol de alfabetização: traços
e hipóteses
Segundo Frigo, no modelo espanhol, apesar da existência de motivações
ideológico-proselitistas, religiosas ou políticas exigências, educativas
nacionalistas, de controle social ou bélico-expansionista não foram elas que
produziram avanços significativos durante um período e tempo dilatados, isto
porque
“[...] optou-se por outros instrumentos de atuação
diferentes da escola e do texto impresso. [...] somente na década de 60 é que
confluem uma série de fatores favoráveis à alfabetização de tipo
econômico-produtivo e ideológico-proselitista, mas sem suficiente firmeza”.
(54)
“Em linhas gerais, trata-se de um modelo de alfabetização gradual
[...], lenta e dilatada, dependente de fatores econômico-comercial-produtivos,
assim como o do êxodo rural e da incorporação ao trabalho assalariado da força
de trabalho feminino. Incrementa, cronologicamente seu ritmo no século XX,
especialmente na década de 20 e, para mulher, na década de 30. O avanço se
mantém e consolida-se na década de 60 e
estanca-se na de 70”. (p.54)
Segundo o autor, dentre os aspectos que contribuíram para que a Espanha
não alcançasse, em 1900, o nível inglês dos meados do século XVIII e no período
de 1960-70 e as taxas de alfabetização da Prússia e Suécia nos meados do século
XIX ou da França em princípios do século XX, destaca-se:
“A inexistência de reforma protestante e a repressão do erasmismo
defensor da leitura da Bíblia em língua vulgar; [...] a não confluência
Igreja-Estado com vistas à instituição de um sistema elementar de ensino, um
dos pilares fundamentais [...] do sistema educativo de quase todos países
protestantes.” (55)
“De um ponto de vista global, os debates e enfrentamentos entre a
Igreja e o estado, durante o século XIX, para se apropriar da soberania
educativa, colocam-se em seus devidos termos quando se observam [...] um
percentual aproximado de 50% de analfabetismo, em 1900, era uma cifra por
demais escandalosa, para que qualquer dos dois poderes em luta (a Igreja e o
Estado) pudessem manter a cabeça erguida. [...] ambas as instituições, muito
atentas em reafirmar e alargar sua soberania educativa, mostraram um acordo de
fato (para além de toda retórica ou ação isolada) e uma incapacidade estrutural
para enfrentá-lo.” (55)
“Em síntese, [...] sobre o processo de alfabetização na Espanha do
século XVI ao XIX [...] parece haver dois períodos de progresso, o primeiro
pelo menos de intensidade similar ao que se produz no Norte e Centro da Europa
na mesma data. Tem lugar durante o século XVI e XVII até 1620/40 e, no século
XVIII, a partir de 1730/40. Durante o século XVI e o primeiro terço do século XVII não parece que a situação
espanhola fosse comparativamente inferior à francesa, por exemplo, pelo menos
no meio urbano e masculino que é o habitualmente estudado.” (p.57)
“No período intermediário (desde 1620/40 até 1730/40) há indícios (a
confirmar) de estancamento, regressão ou crescimento débil, segundo as zonas. O
impulso da segunda metade do século XVIII é de novo freado no início do século
XIX. Ao estancamento e inclusive retrocesso (segundo zonas e áreas) do período
de 1808-1840, deve-se, em nossa opinião, uma grande parte da responsabilidade
na desfavorável situação comparativa da Espanha de meados do século XIX. Um
crescimento débil e lente durante o restando do século XIX e XX (salvo um curto
impulso de 1840-1860), baseado quase que exclusivamente na escolarização
infantil, com o consequente esquecimento, por desuso, do pouco e mal aprendido,
manterá esta defasagem ate nossos dias, em especial entre a população feminina
e rural.” (p.57)
Este modelo, afirma o autor, “tem suas exceções sociais (nem todos os
grupos, estamentos ou classes evoluem num mesmo sentido e/ou ritmo) e
espaciais”. (p.57)
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